“O Dia Mundial da Filosofia, criado em 2002 pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), tem como principais objetivos promover a reflexão filosófica, o diálogo e o pensamento crítico, constituindo-se como um sólido contributo para a paz, o diálogo intercultural e a tolerância. Não se circunscrevendo esta reflexão exclusivamente ao espaço e tempo da sala de aula, a aula de Filosofia pode, neste dia, ser construída como o lugar do exercício da Cidadania, da Autonomia Intelectual e defesa dos valores e princípios da Democracia.” 

 

Podem as máquinas pensar?

Desde a revolução industrial aos dias que correm, diria que este tema despoleta fontes de inspiração, pensamento, reflexão e crítica quase inesgotáveis, em praticamente todos os âmbitos da sociedade. Da literatura ao cinema, do senso comum à ciência, da máquina a vapor ao robô Sofia, não faltam exemplos que tratam esta problemática. 

Podem as máquinas pensar? Se me colocassem esta pergunta há uns anos, responderia categoricamente que não, responderia que as máquinas por si só não possuem pensamento como os seres humanos, para se poder sequer colocar esta questão. Antes de questionarmos o pensamento das máquinas, teríamos de lhes atribuir, criar, construir ou implantar uma consciência, uma compreensão, uma razão, entendimento ou reflexão, atributos que sem desprimor para as outras espécies, ou até mesmo para as máquinas, são de exclusividade humana. Diria que as máquinas podem ser programadas para executar tarefas insanamente mais complexas e de uma forma muito mais rápida que extrapola qualquer limite humano. Podem ser programadas para simular comportamentos inteligentes, como o faz a inteligência artificial, por exemplo, para o robô Sofia. 

Se me colocarem esta pergunta hoje, as máquinas podem pensar?, responderei, categoricamente, que não e que ainda estamos muito longe disso, por mais que estas estejam evoluídas, nos ajudem e sem as quais já não possamos passar, como a inteligência artificial. No entanto, se estamos a falar de inteligência artificial, como poderemos elevar este termo ao nível do Pensar, dado que artificial, como o próprio nome indica, é algo que não é natural, que é factício, mas ainda pior, postiço, dissimulado, ou até mesmo fingido e "fake", utilizando o termo da moda? 

Aquela ideia romântica da eterna luta entre o homem e a máquina e a altura em que esta se torna autónoma e se revolta contra o seu “criador”, na tentativa de o exterminar, apesar de ficção, alimenta o nosso ego, diria, até um ponto divino. Serve para nos manter entretidos, mas absolutamente desviantes da realidade. 

Não me preocupa a hipótese de as máquinas poderem vir a pensar, preocupa-me é o ser humano, na frívola tentativa de inventar e criar a máquina pensante, ironicamente, se esqueça ele próprio de usar este “Kit”, com o qual teve a sorte de nascer equipado, mas que, cada vez mais, abdica dele. Posto isto, se nos dermos ao luxo de desprezar o pensamento, ao procurar algo que pense por nós, em que situação ficará o nosso espírito crítico? Haverá limites?! Preocupa-me que a tentativa desenfreada de humanização das máquinas tenha como consequência... a maquinação humana. 

 Carlos Clemente, professor de Filosofia